Auto da Barca do Inferno
Este texto é conhecido de muitos, afinal é um dos textos cobrados no vestibular faz tempo e por isso lido por muitos, ao menos seu resumo!
Gil Vicente nasceu em Portugal, não se sabe bem em qual cidade e tampouco em que ano, mas estima-se que viveu entre 1465 e 1537, isto é, estava vivo na época em que as barcas chegaram ao Brasil. Seriam estas barcas do inferno? Caso você queira saber mais sobre ele não faltarão fontes e pesquisas sobre o tema. A introdução de Segismundo Spina , publicada pela Ateliê Editorial fornece uma boa visão sobre este autor.
Neste Auto podemos observar os diferentes personagens que ao morrer irão chegar a um porto onde há duas embarcações: uma é chefiada pelo Anjo, que conduz ao paraíso; a outra, comandada pelo Diabo e seu Companheiro, vai para o inferno. Os personagens se apresentam diante do espectador como em um desfile, ao fim do qual cada um terá de enfrentar seu destino.
Esses personagens não representam indivíduos definidos, mas, sim, tipos sociais. A escolha dos tipos faz referência à época vivida, mas não há dúvida das muitas relações possíveis a serem estabelecidas com a atualidade. Spina ao comentar a obra diz: “O cômico do auto resulta, não do inesperado das situações ou da modificação do automatismo, mas tão somente da caracterização estilística das diferentes personagens, cujo comportamento é um retrato vivo de sua realidade terrena, e a beleza da peça reside, portanto, no realismo dessa caracterização das personagens, intimamente vinculadas à realidade material e à sua condição linguística.”
Leia neste post a conversa entre o Diabo e o Sapateiro e depois continue lendo toda a peça! Com quem será que você se identificará? E em qual barca entrará?
Trecho do Auto da Barca do Inferno:
Vem um Sapateiro com seu avental e carregado de formas, e chega ao batel infernal, e diz:
Sapateiro — Hou da barca!
Diabo — Quem vem i?
Santo sapateiro honrado, como vens tão carregado?…
Sapateiro — Mandaram-me vir assim…
E para onde é a viagem?
Diabo — Para o lago dos danados.
Sapateiro — Os que morrem confessados onde têm sua passagem?
Diabo — Nom cures de mais linguagem!
Esta é a tua barca, esta!
Sapateiro — Renegaria eu da festa e da puta da barcagem! Como poderá isso ser, confessado e comungado?!…
Diabo — Tu morreste excomungado:
Nom o quiseste dizer.
Esperavas de viver, calaste dous mil enganos…
Tu roubaste bem trint’anos o povo com teu mester. Embarca, era má para ti, que há já muito que t’espero!
Sapateiro — Pois digo-te que nom quero!
Diabo — Que te pês, hás de ir, si, si!
Sapateiro — Quantas missas eu ouvi, nom me hão elas de prestar?
Diabo — Ouvir missa, então roubar, é caminho per’aqui.
Sapateiro — E as ofertas que darão?
E as horas dos finados?
Diabo — E os dinheiros mal levados, que foi da satisfação?
Sapateiro — Ah! Nom praza ò cordovão, nem à puta da badana, se é esta boa traquitana em que se vê Jan Antão!
Ora juro a Deus que é graça!
Vai-se à barca do Anjo, e diz:
Hou da santa caravela, poderês levar-me nela?
Anjo — A carrega t’embaraça.
Sapateiro — Nom há mercê que me Deus faça?
Isto sequer irá.
Anjo — Essa barca que lá está Leva quem rouba de praça. Oh! almas embaraçadas!
Sapateiro — Ora eu me maravilho haverdes por grão peguilho quatro forminhas cagadas que podem bem ir chantadas num cantinho desse leito!
Anjo — Se tu viveras direito,
Elas foram cá escusadas.
Sapateiro — Assim que determinais que vá cozer ò Inferno?
Anjo — Escrito estás no caderno das ementas infernais.
Torna-se à barca dos danados, e diz:
Sapateiro — Hou barqueiros! Que aguardais?
Vamos, venha a prancha logo e levai-me àquele fogo! Não nos detenhamos mais!
Vem um Frade com uma Moça pela mão, e um broquel e uma espada na outra, e um casco debaixo do capelo; e, ele mesmo fazendo a baixa, começou de dançar, dizendo:
Quer ler mais, acesse o link: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua00111a.pdf