Vestido de noiva

 

Escolher de qual autor brasileiro será meu primeiro post não foi tarefa fácil. O bom é sabermos que temos tantos para ler! Escolhi Nelson Rodrigues, e a peça foi Vestido de noiva.

Não há dúvida de que Nelson Rodrigues é um autor polêmico, tão polêmico quanto reconhecido.  Escreveu muitas peças, que Sábato Magaldi classifica em peças psicológicas, peças mitológicas e tragédias cariocas. Mas Nelson também escreveu crônicas e outros diversos gêneros textuais.

Seus textos apresentam diferentes facetas das relações humanas, no que diz respeito às relações sociais, a suas regras e costumes, aos conflitos familiares e à psique humana. As muitas tramas vividas por seus personagens envolvem o amor, o sexo, as brigas, a angústia! Não há como ter dúvida de que a vida corre de forma pulsante nas obras deste autor.  Talvez você, leitor, considere que a sua própria vida é mais simples, sem tantos conflitos, sem tanta angústia. Será?

 

Foto de Chico Nelson, de montagem dirigida por Ziembinski, em 1943 (Disponível em: http://vejasp.abril.com.br).

Vestido de noiva teve uma encenação marcante para o teatro brasileiro, que foi a dirigida por Ziembinski, em 1943, de que reproduzimos a foto anterior. De lá para cá já houve muitas outras, feitas por grupos e atores importantes no teatro nacional.

A peça se passa em três planos que se intercalam: o plano da alucinação, o plano da realidade e o plano da memória. Como uma boa peça rodrigueana, acompanhamos os conflitos de Alaíde e a relação com sua irmã, perpassada pela paixão por um mesmo homem.

Se as tramas propostas são imbricadas, o texto é fluido, fácil de ler, de mergulharmos nestas relações. É um texto escrito para teatro que nos permite imaginar as cenas. São tantas as possibilidades de imaginarmos soluções para montagens, que sempre podemos ver mais uma!

 

Foto de João Caldas, disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br

Leia a seguir, neste post, um pequeno trecho desta peça e, se quiser ler a versão completa, vá para o link: http://semac.piracicaba.sp.gov.br/ceta/vestidodenoiva.pdf

 (2 mesas e 3 mulheres desaparecem. Duas mulheres – levam 2 cadeiras. As duas mesas são puxadas para cima. Surge na escada uma mulher. Espartilhada, chapéu de plumas. Uma elegância antiquada de 1905. Bela figura. Luz sobre ela.)

ALAÍDE (num sopro de admiração) – Oh!

MADAME CLESSI – Quer falar comigo?

ALAÍDE (aproximando-se, fascinada) – Quero, sim. Queria…

MADAME CLESSI – Vou botar um disco. (dirige-se para a invisível vitrola, com Alaíde atrás.)

ALAÍDE – A senhora não morreu?

MADAME CLESSI – Vou botar um samba. Esse aqui não é muito bom. Mas vai assim mesmo. (Samba surdinando.)

MADAME CLESSI – Está vendo como estou gorda, velha, cheia de varizes e de dinheiro?

ALAÍDE – Li o seu diário.

MADAME CLESSI (céptica) – Leu? Duvido! Onde?

ALAÍDE (afirmativa) – Li, sim. Quero morrer agora mesmo, se não é verdade!

MADAME CLESSI – Então diga como é que começa. (Clessi fala de costas para Alaíde)

ALAÍDE (recordando) – Quer ver? É assim… (ligeira pausa) “ontem, fui com Paulo a Paineiras”… (feliz) É assim que começa.

MADAME CLESSI (evocativa) Assim mesmo. É.

ALAÍDE (perturbada) – Não sei como a senhora pôde escrever aquilo! Como teve coragem! Eu não tinha!

MADAME CLESSI (à vontade) – Mas não é só aquilo. Tem outras coisas.

ALAÍDE (excitada) – Eu sei. Tem muito mais. Fiquei!… (inquieta) Meu Deus! Não sei o que é que eu tenho. É uma coisa – não sei. Por que é que eu estou aqui?

MADAME CLESSI – É a mim que você pergunta?

ALAÍDE (com volubilidade) – Aconteceu uma coisa, na minha vida, que me fez vir aqui. Quando foi que ouvi seu nome pela primeira vez? (pausa) Estou-me lembrando! (Entra o cliente anterior com guarda-chuva, chapéu e capa. Parece boiar.)

ALAÍDE – Aquele homem! Tem a mesma cara do meu noivo!

MADAME CLESSI – Deixa o homem! Como foi que você soube do meu nome?

ALAÍDE – Me lembrei agora! (noutro tom) Ele está-me olhando. (noutro tom, ainda) Foi uma conversa que eu ouvi quando a gente se mudou. No dia mesmo, entre papai e mamãe. Deixe eu me recordar como foi. Já sei! Papai estava dizendo: “O negócio acabava…” (Escurece o plano da alucinação. Luz no plano da memória. Aparecem pai e mãe de Alaíde.)

Ficou com vontade? Não deixe de ler!

 

Lelê Ancona

Professora de teatro desde 1986, tenho trabalhado em todos os níveis de ensino nos últimos 15 anos, principalmente com formação de professores. Minha graduação foi em Artes Visuais, na Faculdade Santa Marcelina, em SP, mas como já fazia teatro, fiz a Especialização em Teatro e Dança na ECA/USP, onde entrei em contato com os Jogos Teatrais da Viola Spolin, que foram marcantes para minhas escolhas como docente.

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