O doente imaginário
Esta peça foi escrita por Molière e a primeira encenação ocorreu em 10 de fevereiro de 1673. Você pode estar se perguntando qual a razão em ler um texto tão antigo e não há dúvida de que é uma boa pergunta. A minha resposta para tal pergunta é de que, apesar dos 344 anos que separam sua primeira apresentação deste post, o texto continua atual!
É incrível como existem questões que permanecem nas relações humanas por tanto tempo.
Molière é um clássico da dramaturgia mundial e um dos maiores comediógrafos de todos os tempos. Possivelmente por ter sido ator e diretor, seu texto demonstra a noção do efeito cômico, do que pode funcionar no palco.
Molière usou as suas obras para criticar os costumes da época. É possível observar a influência da Comédia Del’Arte, porém suas peças ultrapassaram a comédia de costumes unindo entretenimento e reflexão, com críticas aos burgueses, nobres, ao poder político e as regras da sociedade em geral.
Em “O doente imaginário”, Molière critica a classe médica, com seus palavrórios, escritos e fórmulas ininteligíveis. Os médicos são seu principal alvo, demonstrando a maneira pela qual se relacionam com seus pacientes fazendo uso do poder sobre quem está doente ou assim acredita estar.
Argan é o personagem central, hipocondríaco, sovina, carente e solitário. A sua volta veremos os diferentes personagens interessados em seu dinheiro e em obter proveito desta condição. Outros tentam alertá-lo e nesta situação vemos tramada uma história de poder, interesse e manipulação.
Vale a pena se divertir e conhecer um pouco deste autor. Se você gostar desta, pode ler um pouco mais, algumas de suas peças são: Escola de mulheres, Tartufo e O Misantropo.
Aí vai um pouco do texto para dar vontade de mais.
CENA II
Nieta:(entrando) Já vai.
Argon: Sua cachorra. Sua malandra!
Nieta: (fingindo ter batido a cabeça) Puxa vida, que impaciência. O senhor apressa tanto a gente que eu acabei batendo com a cabeça, com toda a força, na porta.
Argon: Traidora.
Nieta: (Fica se lamentando para interrompê-lo e impedi-lo de gritar) Ai… Ai…
Argon: Faz…
Nieta: Ai.
Argon: Faz uma hora…
Nieta: Ai.
Argon: …que você me deixou…
Nieta: Ai.
Argon: Cale a boca, fingida, que eu estou te repreendendo.
Nieta: Ainda mais essa, depois de tudo o que me aconteceu.
Argon: Você me obrigou a grita, cretina.
Nieta: E eu, por sua causa quase quebro a cabeça. Estamos quites, então.
Argon: Sua bandida.
Nieta: Se continuar xingando, vou chorar.
Argon: Me largar sozinho…
Nieta: (Para interrompê-lo) Ai.
Argon: Cachorra. Você quer…
Nieta: Ai.
Argon: Será que eu não posso nem ter o prazer de brigar?
Nieta: Brigue o quanto quiser, eu não ligo.
Argon: Você me impede, sua imbecil, me interrompendo a toda hora.
Nieta: Se o senhor tem prazer em brigar, eu tenho prazer em chorar. Cada um faz o que gosta. Não há nada demais.
Argon: Está bem. Desisto. Tire isso daqui, tire. (Ele se levanta da cadeira) Veja se minha lavagem, de hoje, fez efeito.
Nieta: Sua lavagem?
Argon: É. Saiu minha bílis?
Nieta: Ah, não. Não tenho nada a ver com essa coisa. O Sr. Flores que meta o nariz aí. Ele ganha para isso.
Argon: Que mantenham a água fervendo para a próxima.
Nieta: Esse Sr. Flores e esse Dr. Purgan se divertem bem como o seu corpo. Têm no senhor uma vaca leiteira e eu adoraria perguntar a eles o motivo de tantos remédios.
Argon: Fique quieta, ignorante. Não é você que vai controlar minhas receitas médicas. Chame Angélica. Quero falar com ela.
Nieta: Parece que adivinhou seu pensamento, pois já está aqui.